Como a busca por paz pode estar roubando a sua vida
- Pedro Gatti Lima
- 24 de nov.
- 2 min de leitura

Há uma força silenciosa dentro de nós que insiste em nos empurrar de volta para o conforto. Para a previsibilidade. Para aquele estado de homeostase onde tudo parece seguro — mesmo quando já não faz sentido.
É como se, em algum canto da alma, existisse o desejo impossível de regressar ao ventre: o último símbolo de um lugar onde nada nos exigia, onde não havia frio, nem escolhas, nem perdas. Onde viver não demandava coragem.
É compreensível: a vida adulta é atrito. Crescer é atrito.
Até mesmo as experiências mais prazerosas — inclusive o prazer sexual — nascem da fricção, do encontro, do toque que transforma. Nada vivo se faz na completa ausência de impacto.
E é justamente por não suportarmos esse atrito inevitável que começamos a nos enganar.
Diante da mínima ameaça de desconforto, buscamos uma paz artificial — aquela onde não precisamos enfrentar, decidir, nos frustrar ou nos expor.
E é nesse movimento de evitar a vida que o autoengano nasce.
Dizemos que “não nos importamos” para escapar da dor que tememos.
Dizemos “tanto faz” quando, por dentro, algo em nós grita.
Dizemos “não é o momento” quando o medo se veste de cautela e nos convence a adiar o que pedimos a nós mesmos há anos.
A fuga muitas vezes se disfarça de maturidade — de racionalidade até.
Mas, na maioria das vezes, é apenas um excesso de proteção.
E proteção demais sufoca.
Para não sentir, evitamos o conflito.
Para não decepcionar, encolhemos.
Para não causar incômodo, apagamos nossa presença.
Para não fracassar, sabotamos o próprio caminho quando ele começa a dar certo.
Há quem viva preso a padrões de cuidado extremo: sempre ajudando, sempre oferecendo o ombro, sempre sustentando o mundo do outro para não olhar para o próprio. Como se o valor estivesse exclusivamente em ser apoio — e não em existir plenamente.
Mas chega um momento em que não crescer dói mais do que crescer.
Não mudar cansa mais do que mudar.
E permanecer no mesmo lugar começa a custar a nossa capacidade de sermos verdadeiros conosco.
É nesse ponto que a psicoterapia se torna mais do que um espaço de fala: torna-se um espaço de retorno.
Um lugar onde não é preciso fingir força, onde o cansaço ganha nome, onde o medo é acolhido sem julgamento.
E, a partir daí, algo se reorganiza — não pela promessa de paz absoluta, mas pela coragem de suportar o atrito necessário para existir como quem realmente somos.
A terapia não cria atalhos; ela ilumina o caminho que você tenta percorrer no escuro.
Estabilizar-se é necessário.
Todos precisamos de um solo firme para descansar.
Mas quando a estabilidade vira anestesia, quando a zona de conforto vira clausura, quando o ventre simbólico se transforma em caverna… algo dentro de nós começa a se apagar devagar.
Crescer é sair do ventre — mesmo que simbolicamente — todos os dias.
É admitir o medo sem permitir que ele dite o destino.
É reconhecer que importa, sim.
É assumir o que desejamos, em vez de proteger o que nos prende.
É suportar o atrito que possibilita movimento e sentido.
A zona de conforto pode ser um abrigo temporário,mas não foi feita para ser a casa onde deixamos nossos sonhos envelhecerem.








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