“Nós dois somos um só” — quando o amor vira anulação

A ideia de que, num relacionamento, “nos tornamos um só” costuma ser romantizada. Mas o que acontece quando essa fusão exige que um desapareça para o outro existir? Em nome da harmonia, um dos parceiros vai cedendo: abre mão de sonhos, silencia desejos, adapta-se sem ser acolhido. Aos poucos, o “nós” se constrói à custa do “eu” — e isso não é amor, é apagamento.

Esse tipo de relação não é equilíbrio, é uma equação injusta: soma-se um, subtrai-se o outro. Às vezes, a escolha de ter ou não ter filhos é decidida por apenas um lado. Outras vezes, um abandona sua carreira, seus projetos, para apoiar os do outro — mas esse gesto, que parece generoso, nasce mais da pressão do vínculo do que da liberdade. Quando um sonha por dois, o outro vive em silêncio.

O narcisismo pode estar na base dessa dinâmica. Há relações em que um dos parceiros precisa que o outro funcione como espelho, reforçando sua imagem ideal. Tudo o que diverge é tratado como ameaça. Assim, o diferente é calado, o conflito é evitado, a identidade do outro é remodelada até caber — e sumir.

Dominação afetiva nem sempre grita. Às vezes, ela sussurra em frases como “é para o nosso bem” ou “você está sendo egoísta”. O controle se disfarça de cuidado, e o amor se torna uma forma de manipulação. O problema é que, quando você deixa de se reconhecer, já pode ser tarde — e voltar a si dá medo e é trabalhoso .

Relacionar-se não deveria custar sua essência. Um vínculo saudável se faz entre dois inteiros, que escolhem caminhar juntos, sem que ninguém precise se dobrar para caber. Amar também é sustentar o outro na diferença — e ser sustentado.

Se você sente que, para manter seu relacionamento, precisa desaparecer, talvez seja hora de olhar para isso com mais cuidado. A psicoterapia é um espaço de escuta e reconstrução, onde é possível resgatar sua voz, seus desejos e sua história. Amar o outro não deve significar deixar de ser você. Você não precisa desaparecer para merecer amor. Você merece ser você e estar presente na relação.

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